Em perfeito diálogo com a tradição e com a atualidade, este livro surpreende pelo inusitado de um sentimento de corrosão silente e pela natureza de sua fabricação. Chama a atenção também a multiplicidade de diálogos que estabelece, com nítida consciência de que a significação poética não se completa sozinha, mas pela relação que é capaz de encetar com outros discursos, o que lhe confere densidade e, ao mesmo tempo, leveza e profundidade. É isso que o leitor encontrará, por exemplo, em Volta à caverna, Ao pescador, A solidão do homem morto, e no desconcertante poema Garotinhas, em que se notam menções ao universo da música, do teatro, das artes plásticas e da própria poesia, dada a profundidade lírica com que se recortam os perfis e as dores trágicas de mulheres icônicas na história das artes, tudo convergindo para os traços mais obscuros da existência a partir de onde se pode universalizar as dores que instigam e fustigam a consciência. Não sem razão, o que temos em mãos é um livro maiúsculo, completo, erudito, mítico. Por isso, sempre causou estranheza quando o poeta se retraiu depois de ter publicado o primeiro livro com relativo sucesso e prêmio literário. Desde então, vivendo na Amazônia, desenvolveu – em longo aprendizado –, um modo particularmente compenetrado de interpretar a realidade, a cultura e o país. Apesar do almejado e bem administrado silêncio, com publicações esporádicas em revistas e antologias, sempre se insistiu para que voltasse ao livro. Por sorte dos leitores de poesia, volta com um livro instigante e provocador, sobre o qual será impossível calar.
